o alfarrabista

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Era uma vez dois livros que eu comprei. Não sei o que são, não sei de que são.
Há um alfarrabista no Pasar Festival, um pequeno centro comercial perto da minha casa. Costumo ir lá beber café, petiscar, jantar num restaurante indiano, menos frequentemente almoçar num restaurante japonês, comprar DVDs piratas e - finalmente - perder-me numa loja rectangular e familiar, com cheiro de livros antigos, molhados pela humidade, com revistas variadas, e um silêncio incomum.
Vou lá para relaxar, agarro os livros e respiro-lhes a sujidade e a espera, olho para os títulos, por vezes encontro umas pérolas oportunas.
Comprei estes dois livros. Comecei a ler um deles, que fala sobre o erotismo e o sexo na China, na sua literatura e na sua sociedade. Deu-me para sorrir no comboio, enquanto desvendava um mistério novo. Não passei do segundo parágrafo, porque ambos os parágrafos me enfadaram um pouco - mas hei-de ler o livro até ao fim.
No outro dia perguntavam-me quando se usava a construção de hei-de com infinitivo. Pois eu digo que a usamos quando fazemos uma promessa a nós mesmos pressentindo que nunca a iremos realizar.
Este alfarrabista fica em frente de um pavilhão de bowling e entre um cabeleireiro e um espaço improvisado para massagens em cadeiras ergonómicas.
Enquanto cheirava os livros e acalmava os nervos, olhava de esguelha para um dos empregados, que fixava preços em acervos recém-chegados. Sentado num banco, com um caixote à frente, ia dele retirando sem afectos livro a livro e com uma pistola de etiquetagem ia escolhendo os preços para cada um. Olhava o livro, primeiro de perto, depois afastava-o um pouco como que para ter uma boa visão de conjunto, virava-o para lamber com os olhos a contracapa e tumba - decidia o preço. Abrir o livro? Para quê? E inspirada por ele, assim escolhi os meus novos livros.