adeus, Jacarta


Já não estou na Indonésia como leitora de Português. Decidi voltar para Portugal e sinto-me em paz. Soube que, infelizmente, nenhum leitor foi contratado pelo Instituto Camões para me substituir. O que continuei da anterior leitora e o que comecei ficará pendente no espaço das coisas inacabadas; como um edifício embargado, como uma ponte sem todos os pilares e com as suas veias metálicas de fora do tabuleiro interrompido. Os cortes orçamentais em tempos de crise atingem sempre o essencial. Eis que não há dinheiro para manter leitores em países onde eles são necessários, desejados e procurados. Espero vir a continuar aqui projetos que iniciei lá, como a elaboração de um dicionário de indonésio-português, que ainda não existe. Aprendi a língua indonésia e aprendi a ser mais tolerante com as pessoas que são diferentes de mim. Compreendo melhor que nem todos se norteiam com os mesmos conceitos e pelos mesmos princípios que eu e que isso não tem nada de condenável ou de errado; que, em determinados contextos, o que precipitada e impacientemente consideramos falta de educação, incivismo ou barbárie é apenas diferença cultural – sendo nós, geralmente, demasiado arrogantes, limitados e judicativos para tentar abarcar padrões conceptuais diferentes dos nossos. Apesar de compreender, não tive forças para continuar a viver numa cidade – Jacarta – onde tudo era tão diferente da minha Lisboa, onde me sentia demasiado só, onde me custava respirar e onde não conseguia repousar. Já me aconteceu pensar que o bicho da viagem é um parasita que se hospedou em mim permanentemente. Não me quero armar em Gonçalo Cadilhe, mas talvez seja verdade. O que experiencio com as viagens, o que encontro em mim, o que descubro na vida e no mundo, o que me ensinam as pessoas com quem me cruzo – é sublime. Mas também estar aqui sentada ao computador, em Benfica onde moro agora, com a minha cadela roncando aconchegada aos meus pés, os meus livros perto de mim e a pastelaria ali em frente – também isto pode ser magnífico, e é. Sentir-me parte deste bairro e conversar amigavelmente com os vizinhos enquanto tomo a bica ou estou na fila do supermercado; sem cansaço, sem esforço, sem mal-entendidos.