meias palavras bastam

num mercado flutuante da Tailândia

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o que é que podemos saber? o quê? se cada vez que buscamos confirmação de algo só nos surgem as meias palavras de sempre. será que alguém sabe dizer o que pensa, o que quer e o que sente? a relação humana é tão conflituosa e nunca será demais dizer que a culpa é da linguagem. como se pode amar verdadeiramente, enquanto dependendo da linguagem? só mesmo no estado bestial poderemos amar. eu tento encontrar as palavras para o que estou a sentir, para que vos possa explicar, para que me entendam, para que haja uma ligação entre nós, e me admirem, e prezem os meus posts e o meu blog e eu na totalidade. e haja a mínima concorrência de sensações ou sentimentos na palavra escrita e já vocês dizem que o que eu escrevo é belo. incrível como a beleza da literatura reside tão somente na psicologia. numa lucidez muito incomum da hermenêutica humana, que nos leva a chorar, exclamar, descansar, odiar enquanto lemos. que complicação, estes cérebros! mas que cobardia ignorá-los! e o meio termo entre a cobardia e a clarividência será esta vida medíocre que é a  de todos nós, enredados pelos joelhos numa telenovela ou tragédia grega onde nunca dizemos o que queremos dizer e muito menos o que de facto sentimos porque nem sequer compreendemos as nossas próprias perplexidades. mas ser clarividente deve ser um fardo, se não formos Buda. estar aqui ou não estar, falar ou não falar, não compreender, tentar compreender ou compreender, amar, gostar, não gostar, odiar, cantar, esquecer, dedilhar, beber, correr, nadar, olhar pelas frestas de um mar sempre tão rugoso, como eu gosto, mar bravio. e agora olho para trás e o que é que eu escrevi que faça sentido? muito pouco, e no entanto entreguei-me à tela como raras vezes sucede. há uma ligação entre nós e uma sabedoria transcendente, e quando desligamos e deixamos os nossos dedos viver como debulhadoras entre o trigo eles tornam-se antenas poderosas que nos transmitem as imagens, toscamente dedilhadas, do infinito e da sabedoria iluminada. eles vão sem pedir licença, sem cerimónias nem formalidades, na sua carne flexível e muda, até aos segredos e descrevem-nos usando o nosso parco intelecto. há palavras que são escritas sem nos apercebermos, e essas vêm diretamente do divino. viver entre os humanos não nos deixa evoluir muito, e eu tenho de olhar para os meus dedos quotidianamente para relembrar que há antenas poderosas a ligar-me a um universo maior do que o dicionário do Houaiss, onde posso descansar e ao mesmo tempo traduzir este labor do dia-a-dia e escrevê-lo para um ninguém que é ao mesmo tempo todas as pessoas que entrem na casa http://dariportugisdiindonesia.blogspot.pt. eu bem tento compreender, eu tento, e tento entender as meias palavras das pessoas, os sorrisos, os olhares e às vezes até as palavras supostamente diretas – e não entendo nada. há uma escuridão maior do que a noite num cemitério de aldeia, eu não vejo, tateio e não vejo, e quando tento ver sempre alguém volta àquelas palavras que me fazem ser estúpida de novo, quando me arrojo alguém sempre me cala e me faz voltar à realidade das meias palavras, as palavras simpáticas, diplomáticas, leves, compreensíveis, fáceis, sensibilonas, apaziguadoras, falsas da nossa vida. como é que me arranco deste estado e não deixo de ser responsável – é a minha grande questão. nos entretantos, vou regozijando nas meias palavras, porque as há reais ou literárias, e capto a transmissão de Saramago: Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem.