Estou aqui há tanto pouco tempo que até não dói. Nada dói,
nem nunca, quando sabemos o que não queremos. As lições da vida são sempre
sobre o que devemos querer. Como se só o saber o que se quer – valesse. Mas eu
cá – eu, muito eu – eu cá considero que ter momentos em que sabemos o que não
queremos – esses momentos são os mais valiosos da vida.
Moro em Jacarta, estou na varanda num 25.º andar. Sinto-me
contente por não estar a maçar ninguém. Por ser o que se considera uma pessoa
autónoma. Sem pesar sobre outros. Sem pedir dinheiro emprestado, ou ter um
discurso depressivo sobre a vida. Considero-me uma pessoa com quem os outros
terão gosto em estar e falar.
Olho lá para fora. Há estes arranha-céus, que foram feitos só
para alguns. Durante o meu dia, escorro por ruas repletas de gente descalça,
que não entra habitualmente em arranha-céus. É com eles que vou, de mota, por aí.
Levam-me para onde eu peço para ir, por pouco dinheiro. E sentem amizade por mim.
São simpáticos. E até tirámos fotografias juntos.
Até parece que quando falo
assim destas pessoas com que me cruzei na vida, até parece que estou a minimizá-los,
se é que esse verbo existe. Mas não, não estou. Eu só não sei como viver sem
pensar neles.
Peçam-me uma história. Eu conto. Há muitos anos atrás,
estava eu em curso de verão em Perugia, Itália. Talvez uns 10 anos atrás. Fui a um restaurante
chinês com o meu namorado, que era o Luís – o meu único namorado a sério na
verdade – e pedíamos umas coisas para comer. Eu falava com a menina chinesa,
entrelaçávamos italiano com inglês – uma bela renda mestiça, de tema gastronómico.
O Luís insistia: pede arroz chau-chau. E eu pedi: arroz chau-chau. A menina riu
e riu e riu e riu. [ Desde quando é que isto poderia acontecer noutros restaurantes?
Seria proibidíssimo! ] «”Arroz chau-chau?!?” O que é isso?» Perguntou ela. (eu
tinha pedido “riso chau-chau”) Explicámos que em Portugal, nos restaurantes
chineses, comíamos arroz chau-chau, arroz frito com outras coisas, como
ervilhas, ovo, chouriço... sabemos lá! áh o nosso hábito! A menina esbugalhou
os olhos e disse... “Aqui não temos arroz chau-chau, mas vamos tentar fazer
algo parecido”.
E lá nos trouxeram uma travessa de arroz frito com ovo e
pedaços de fiambre, enfim, execrável, como disse o Luís pouco depois, ainda que
o devorando por delicadeza. E foi aí que descobri que os restaurantes chineses
não eram todos iguais. E descobri também a notável flexibilidade dos chineses,
para se adaptarem aos nossos caprichos... (“Não temos, mas segundo a vossa
descrição, tentaremos fazê-lo”...)