pusing

Papéis na minha sala.
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No outro dia, passeava por uma livraria. Comprei um livro que estava em promoção. Por coincidência o livro chama-se Culture Troubles e é uma espécie de estudo comparativo do Estado e da representação política em três países tão diferentes como a França, a Suécia e a Nigéria...! O que primeiro me chamou a atenção foram, naturalmente, as letras capitais anunciando a "Promosi!"; depois o título do livro - já que eu tenho andado "pusing" (o bahasa para "com dores de cabeça" - não é tão mais simples?! "saya pusing" e está tudo dito - "estou com dores de cabeça"!) por causa de muitas coisas, uma delas o esforço de compreender; finalmente, decidi-me quando li na contracapa que o ensaio recaía sobre as diferenças culturais entre três países e a forma como isso afectava a sua política - e eis que um dos países contemplados é a Nigéria! E eis-me a comprar um livro sobre a Nigéria na Indonésia...

A minha sala está com tantos papéis e eu estou com tantos papéis na minha cabeça, manuais sobre manuais, fichas sobre fichas, projectos que são como campos imensos de arroz onde me sinto perdida - sem saber como me mover por eles e como fazer para cultivar o raio do arroz - procrastinações (ó sim, tornei-me fã deste substantivo que me traz à mente a imagem de um escorpião ou de um caranguejo nem sei porquê... é uma palavra com pinças - tenho cá para mim), eu sei lá. Pusing pusing.

Hoje apanhei uma molha a vir de ojek para casa. Chovia tanto! O rapaz-ojek, preocupado, travava levemente entre as poças, olhava de soslaio para as minhas calças a conferir se não estavam muito molhadas, perguntava se eu não queria recolher-me sob a sua capa impermeável amarela... E eu molhava-me, tive de fechar os olhos - porque começavam a arder-me - e cheguei, de mansinho, a encostar a minha cabeça nas costas amarelas de quem me guiava, deixando-me simplesmente não pensar em nada. Bendito ojek!

Enquanto esperava pelo comboio, na estação da Universidade (1 hora à espera...), chovia chovia, e eu sentada sobre a trave de aço, a olhar para as poças e para a linha férrea molhada, cheia de pedras molhadas. Ao meu lado, estava uma menina como muitas meninas indonésias. Vestida com umas calças justas, umas sabrinas nos pés, uma camisola bonita, de tecido leve (não sei qual) e larga; a carinha redonda, os olhos grandes e ainda maiores pelas lentes de contacto de cor que usava (aqui está na moda usar dessas lentes - então, rapazes e raparigas, andam por aí com olhos de leopardo, com olhos amarelos, com olhos violeta, com olhos azul turquesa...), o cabelo preto preto, comprido e liso, apanhado num bem cuidado rabo-de-cavalo e uma franjinha sobre a testa, cuidadosamente puxada para o lado direito, culminando numa leve e sensual ondulação para cima, para o ar, para o céu, como uma antena. Entrou no mesmo comboio que eu, e enquanto esperava não tirou os dedos rápidos do seu telemóvel quadradão, largo e cheio de botões e coisas, entre outras internet e máquina fotográfica. Reparei que escrevia no facebook.

Poucos segundos antes de apanhar o ojek, percorria o cais da estação - porque tinha saído do comboio mesmo lá muito atrás e tinha de atravessar toda a plataforma até à saída. Olhando para a plataforma oposta, vi uma massa anónima de gente, esperando sobre os bancos mal ajeitados. Eram 7 da noite e a esta hora as pessoas que trabalham em Jacarta estão a regressar para as suas casas nos subúrbios, lá para os lados da minha Universidade. Pequenino e encolhido, entre a gente imperturbável, vi um menino, talvez de 11 ou 12 anos, a varrer a água para fora, para a via férrea, para ganhar umas poucas rupias em troca, como esmola. Muito magro, de cócoras, com perninhas de grilo, uns olhos grandes e vazios e um leve arroxeado sob eles, que presumi fossem olheiras, descalço, entre a água, enxotando-a para o lado e ela a ele regressando de cima, naquela tarefa inglória e indiferente para os que o rodeavam.

E então, de mansinho, nem sei se ele notou ou não, encostei a cabeça nas costas amarelas do ojek, enquanto ele me guiava pelas avenidas inundadas - largando-me na doçura do vento e do vazio.